Alguém jogou no chão do metrô três papéis de bala. Acontece que a corrente de vento impediu que esses restos e fragmentos de infância se perdessem pelas ruas. Havia uma conjunção singular de fatores: a ventania encanada que se forma nas estações, maré de ar, nas idas e vindas dos vagões, e respiradouros gigantescos que compunham um equilíbrio frágil, mas ainda equilíbrio - que reteve aqueles papéis plásticos coloridos no piso da entrada, no limite mesmo da estação, à beira da escada rolante. Era uma dança: a viração artificial corria forte da esquina da Rua dos Pinheiros com a Fradique Coutinho. Motocicletas furibundas de entregadores de aplicativos, automóveis blindados de existência, profetas embriagados que vaticinavam o fim dos tempos, o fim da memória, Já não existe mais nada aqui para vocês, entre poeiras de concretos e farelos de cimento granulando o asfalto, todos apequenados do Grande Edifício Rijo, excitado e dominante, que violou o chão, e se erige rumo aos céus, Este Deus P
Já faz bastante tempo que este blog está desativado - e talvez seja hora de retomá-lo. Um desconhecido gentil me pediu hoje que continuasse escrevendo, e eu não soube o que dizer-lhe, não sei bem que gesto lhe fiz em agradecimento ou estranheza. Não sou escritor, sou provavelmente o antiescritor. Não sei dar forma à matéria literária das experiências pessoais. Todos os meus escritos naufragaram, inclusive este, no exato instante em que tudo parece ademane artificial para soar bem maldito, algo outsider, mais dedicado a mim mesmo do que ao público leitor. Pior: a seguir me ocorre o clichê: não posso deixar de escrever, trata-se de uma forma legítima de expressão, não de vida. Mas ao mesmo tempo me cansa a ideia de escrever aqui com regularidade, como ocorria antes, um desejo profundo de postar, de dizer antes, pose irrefletida de furo jornalístico da própria vida pessoal, que, no mais, não tem assim tanto assunto - quase todos os dias acordo cedo, dou aula, preparo aula, brinco com o